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Para que a rede conheça os participantes do Circuito Montagem publicamos hoje a entrevista do Iuri Freiberger, músico, produtor musical e ex-Assessor para Estratégias da Inovação na Secretaria do Estado da Cultura do Rio Grande do Sul.  Ele veio aqui trocar essa ideia com a gente e dia 15 vai estar na mesa redonda de pré-lançamento do Circuito, falando sobre isso e muitas outras coisas.

Todas as atividades terão streaming a partir do canal do laboratório, bem como produção de conteúdo exclusivo a partir do RádioLAB e redes sociais.

 

Iuri Freiberger, cerca de duas décadas atrás

Iuri Freiberger, quase duas décadas atrás

1 – A inovação nos métodos de produção musical é algo pouco explorado ainda, ou com pouca visibilidade. Como essa inovação acontece associada ao ‘do it yourself’ e à filosofia maker?

Vou dar um exemplo prático. O projeto que eu participei lá em Olinda dentro de uma favela fazendo a execução de algo que eles tinham sonhado em 2008 e não tinham conseguido colocar em prática. A gente construiu um estúdio focado em áudio e audiovisual para fazer as coisas serem executadas de maneira prática. Como era um centro tecnológico do instituto de tecnologia de pernambuco eles tinham esse foco de usar o software livre, a ideia toda era baseada assim, o principio era usando o software livre.

Nós chegamos a conclusão de que, dentro de uma favela, pras pessoas usarem o software elas tem que estar capacitadas a usá-los, existe no meio do caminho um estudo muito grande, milhares de condições sociais para fazer com que as pessoas passem a aprender a usar equipamento, como trabalhar com as coisas, e ai partir pra um resultado prático realmente como eles queriam. Dentro de uma visão pragmática isso era muito dificil de acontecer, tu tinha que ensinar todo mundo a usar um sistema. Nós partimos pra soluções mais dinamicas: criar um selo que a distribuição seria pelo bluetooth “gato” que eles tem na favela (eles tem um monte de roteadores e distribuem a musica dessa maneira lá) e dar algumas ferramentas de produção dentro do estúdio – não para que eles aprendessem a usar o estúdio na parte técnica, mas para que eles soubessem o que fazer dentro de um estúdio, como gravar, com os técnicos contratados pelo instituto eles aproveitavam o estúdio pra sair com um produto, então o que eles precisariam aprender pra chegar ali?
Mas em termos de D.I.Y faltava como transpor esse ponto de ter algum recurso ou conhecimento para desenvolver as coisas. Desenvolvemos então uma série de cursos focados em hardware livre, no sentido dos instrumentos, equipamentos, pedais e amplificadores de guitarra, recursos que pudessem ser usados no celular, coisas que pudessem dar algum tipo de facilidade para que eles desenvolvessem a maneira de produzir sua música e que não tivessem tanta dependência de insumos que viessem de fora.  É legal então a gente capacitar as pessoas pra elas produzirem suas músicas com esses recursos que já estão estabelecidos,  montar a estrutura, a questão física para dar o suporte, e desenvolver essa etapa de como lidar com a criação do seu próprio equipamento; “como eu faço para registrar?” – cara, com um celular tu grava isso.

Tu não precisa hoje ter uma grande fonte de grana pra poder gerar algum tipo de trabalho, botar todo teu dinheiro em equipamento, não, parte pra produção. O que tá faltando? Isso e isso, tenho que fazer uns tambores, não tenho alfaia aqui, então a gente trouxe [para Olinda] os luthiers que faziam alfaia com sucata, pedal de guitarra, amplificador, a gente pegava sucata de computadores e desenvolvia uma meta-reciclagem desses equipamentos para conseguir criar essas coisas básicas. O pessoal já estava entrando no processo de fazer coisas valvuladas, estavam indo além. Foi um dos pontos que a gente trabalhou muito forte, vamos dar recursos, empoderamento pelo menos no mais simples, pra depois chegar na etapa do processo. As vezes no processo os caras criam soluções próprias, então tinha cara que tava gravando no casebre dele, ele tinha uma plaquinha de computador interna e estava gravando todo mundo em casa, um cara tinha essa capacidade. A gente trabalhou com esse cara na transferência da tecnologia e os outros vinham aqui fazer as oficinas, aprendiam a fazer suas coisas. Vimos que não tínhamos a capacidade de fazer as pessoas entenderem coisas básicas em inglês, e dentro da musica quase tudo é em inglês, então o cara tem que aprender pra mexer em tecnologia, pra mexer no computador, gravar um negocio todo, então a gente viu essa questão de quanto tempo as pessoas precisariam pra aprender a desenvolver o seu trabalho, precisávamos ser muito mais rápidos e pragmáticos nesse aspecto. Tem cara hoje fazendo pedal com lata de sardinha e ganhando grana, ou seja o cara conseguiu reverter o processo pra conseguir investir um pouco mais nele, ou mesmo na própria banda, caras que aprenderam um pouco do processo inicial de criação da musica, desvincularam o segredo, produziram e tão lá, começando a circular, a gente deu uma curva na questão desse processo de empoderamento tecnológico. Deixa um pouco isso de lado, o cara não vai ter tempo pra isso, pra ficar estudando inglês; como chega no objetivo, pra fazer a coisa girar? É mais ou menos esse processo que a gente implementou pensando na questão do hardware, no insumo básico para a criação.

 2 – Qual é a influência dos celulares e smartphones na criação musical? Geram mais autonomia?

Já que está todo mundo com celular barato, pirataria e internet, qual o aplicativo básico para que tu consiga operar – um negócio meio pronto, só cantar em cima?

No Pará existe um software que veio pra facilitar a vida no final dos anos 90 chamado Fruity Loops, é um software muito básico de sequenciamento, com alguns sons próprios. Ele virou um software do tecnobrega, porque é piratão, todo mundo baixava. Ele tem uma interface super intuitiva, tu consegue fazer uma programação básica, uma coisa meio matemática, como eram os sequenciadores dos anos 70. Tu parte do básico, vai botando o dedo e ele vai criando ritmos. Não precisa saber muito sobre música, mas isso já vira alguma coisa e isso desenvolveu todo o mercado do tecnobrega lá do Pará.

Hoje esse software [Fruity Loops] patrocina todos os DJs e MCs; os caras viram uma saída de mercado muito barata, custa 20 dólares e qualquer smartphone ou Ipad faz isso. O Fruity Loops tá dando um poder gigantesco de produção pra esses caras, eles produzem tudo aqui [no app] e depois colocam a voz em cima, e a voz tu pode gravar até no celular, e sai música dali. Esta é outra parte da estória também, como desenvolver aplicativos e programas que sejam muito fáceis de usar e que deem esse poder. A criação está seguindo por aí, a gente percebe que os movimentos populares são, hoje, a arma mais forte para mudar o mercado mundial, tanto que o tecnobrega é referência musical pro mundo inteiro, o lance da batida, da cumbia. A cumbia tem um negócio parecido, o tecnobrega tomou conta nessa coisa de produção básica, e os caras usam o mesmo tipo de som. É tão loco essa estória que lá em Belém tem uma rádio que só toca tecnobrega; tem o lance do beat, da batida, todas as músicas tem o mesmo tempo que se pode colar umas nas outras em sequência.

Aqui (RS) a gente não tem essa noção, a gente não sabe disso. Não conseguimos criar um movimento popular de música que gerasse esse tipo de coisa, um monte de gente que não tinha condições de viver ta ganhando grana a partir disso. Aqui a gente tem referências muito de fora, mescladas com o que vem dos EUA e Inglaterra; essa coisa reforçou a indústria cultural, a gente tem ainda muito fortemente o desejo de chegar na referência. “Eu quero soar como Beatles”, “eu quero soar como os negros do funk norte-americano”, sabe? Essa coisa de como eu reproduzir aquilo, talvez seja a explicação de porque tem tanta banda cover aqui.

Clique pra conhecer o site do Centro Tecnológico da Cultura Digital da favela de Peixinhos, em Olinda

Clique pra conhecer o site do Centro Tecnológico da Cultura Digital da favela de Peixinhos, em Olinda

3- Tu criticas a música de hoje por ser “vazia em conteúdo, com finalidades puramente de entretenimento e comerciais”. Este viés diferenciado da música, com propósito, podemos obter também em sua composição e produção, e não apenas no produto final?

São dois pontos, talvez divergentes. A questão social por vezes cria na música uma solução com o objetivo  de superar os problemas financeiros e sociais. Voltamos ao exemplo do ITEP, do Centro Tecnológico de Cultura Digital na favela de Peixinhos em Pernambuco. Os caras tem uma estrutura básica simples, mas eles tem um serviço de monitoria pra quem trabalha com computador. Um dos cases, um benchmarking dos cases é um menino que devia ter 6 anos de idade; o pai havia sido morto pelo tráfico e a avó botou o guri dentro do instituto, como proteção. Ali ele estava protegido e virou referencial em tudo o que ele fez. Fez cursos de produção musical, está trabalhando com tecnologia no Porto Digital, aprendeu inglês e desenho sozinho. Por estar naquele ambiente ele se desenvolveu e se safou, começou a entender o mundo, o que era a situação dele na favela, todas aquelas coisas ali.

Então existe dentro desse aspecto a questão da musica com conteúdo como uma solução social, ajudando a se livrar do tráfico, sair do ambiente, ter uma alternativa. Os trabalhos sociais são muito focados nisso, acho muito bacana. Conteúdo no aspecto artístico é difícil tu criar, talvez nem tenha capacidade ou tempo pra pensar no conteúdo. Vai partir para o que funciona, fazer tecnobrega, forró, arrocha, funk, tu vai seguir naquela linha porque aquilo tá dando certo, porque aquilo vira referência.

Tem um cara chamado MC Sheldon, criado dentro dessa favela, que tava cobrando 15 mil, 20 mil reais por show, gravando DVD e o cara é da mesma favela fazendo essas coisas aí. Se criou um caminho de solução social. Claro que tem a história da ostentação, tem um aspecto negativo também, mas tem o aspecto aí da mudança de perspectiva. O mundo inteiro que não ta envolvido com isso acha que é um absurdo porque ele realmente toma o espaço de gente que quer criar coisas com conteúdo. Quem devia estar pensando em conteúdo por alguma razão social se perdeu porque não conseguiu mais fazer as coisas e a música se tornou vazia em geral. Houveram conteúdos da musica pop que fizeram ela se tornar pop. Antes era o contrário, a partir do conteúdo e não do resultado; existia um conteúdo que tu queria dizer com aquela música pra chegar no resultado, e hoje em dia é o contrario, a gente parte do resultado pra pensar no conteúdo. “Oque eu quero fazer?” – “quero tocar, viajar, quero ganhar uma grana com isso”; como eu faço? Aí se entra em um processo de como fazer isso, parece que virou um caminho do avesso, falta muita sinceridade, verdade nessas coisas assim. Quem tem ainda um pouco de conteúdo não consegue o resultado financeiro, ou o sucesso, que os outros casos conseguem.

Eu nao acho que seja negativo na totalidade, eu penso pela questão social que, putz, tu consegue transformar a vida das pessoas pra algo melhor. Só que ao mesmo tempo isso também se perdeu porque essa questão de musica legal as vezes está baseada em algo referencial, uma questão estética, que tá ligada a uma visão meio superficial do mundo, e isso que acaba gerando vazios. Mas sempre vai haver esse céu e inferno na musica, o de cima sempre vai falar que o de baixo está prejudicando, e o de baixo sempre quer chegar lá em cima, é o problema grave dessa imposição da industria cultural. A questão do vazio pra mim ta relacionada com isso, mas são coisas sempre de movimentos. Qualquer coisa relacionada com arte tem movimentos, como um pêndulo, sempre passando de um extremo ao outro.

Começaram movimentos de musica que tentam colocar o conteúdo como algo a frente do business, aqui a gente esta vendo esse movimento, lá em Recife também. Quando eu dei essa entrevista [a que citamos na pergunta] foi em 2010, agora já estamos vendo uma mudança voltando um pouco pro outro lado. Daqui a pouco a gente chega no outro lado e o business acaba, todo mundo fazendo música livre, pode acontecer. A gente não consegue mensurar o direito autoral, ele está se esvaziando muito radicalmente, por exemplo, quando a minha banda de soul music Hardworking gravou o disco em 99, a gente vendeu mais ou menos 50mil cópias de um disco ao vivo de covers, os direitos autorais não eram nossos, mas o direito de execução a gente ganhou uma grana, não era grande coisa mas não era ruim. Depois quando a Tom Block editou o disco pela Trama, recebeu um pouquinho pelos direitos autorais. O disco da Tom Block da Somlivre, em 2007 já, foi também editado digitalmente, e a gente recebe quando edita uma musica 0,000015 reais, centavos, ou seja, se a gente for fazer em 10 anos essa comparação é completamente maluco, a gente ta chegando ao zero, daqui a pouco a gente vai receber um aperto de mão como pagamento dos direitos. No momento em que isso se perde, quem começa, está fazendo um trabalho novo, não pode contar com isso mais; se composição não tem nenhum valor, só as outras coisas, acabou, acaba o valor do conteúdo da musica, a não ser que tu faça sincronização com publicidade, teatro, cinema, de algum lugar venha uma grana que alguém pague, mas a musica por si só não tem valor mais.

Daqui a pouco vai ser musica livre, motivada por alguma outra vontade: quero fazer musica pra fazer uma turnê fora do brasil, música funcional pra agradar uma certa platéia e tocar no mundo inteiro, é completamente funcional. Qual teu objetivo? quero fazer uma turnê pela Europa; então vamos fazer uma musica “assim, assim, assado” pra agradar determinada platéia. Nesse aspecto acho que a musica está se esvaziando, talvez o futuro seja musica livre de conteúdo, só funcional, mas eu tenho esperanças.